Hollywood tem seu encanto. A grandeza de suas produções, os efeitos especiais e os artistas mais caros e reconhecidos, com certeza, são atrativos para centenas de milhares de espectadores. Mas há algo sobre o cinema independente que me atrai muito mais. É de lá que vem as ideias mais originais, é onde os verdadeiros talentos se mostram, superando a escassez de recursos e aproximando os filmes muito mais da vida real, pura, simples e cotidiana. É o momento em que os diretores precisam ser ainda mais inteligentes e criativos para contarem suas histórias.
“A Mala e os Errantes” me pegou de jeito. Dirigido por Adam Leon, um cineasta nascido em Manhattan e que tem percorrido o mundo para mostrar seus filmes em festivais, como o de Toronto e o de Cannes, a produção chegou a ser farejada pela produtora mais respeitada da atualidade, a A24, e também pela The Orchid, um braço da Sonny, mas acabou caindo no colo da Netflix, que financiou o projeto. Acreditar nesse filme de Leon mostra o quanto a streamer tem apostado em produtos autorais.
Lançado em 2016, o filme, à época, não tinha nenhum ator conhecido no elenco. Hoje em dia, Callum Turner e Grace Van Patten, seus protagonistas, já tem seus nomes destacados nos pôsteres de grandes produções. “A Mala e os Errantes” pode até não se sobressair no IMDb, onde estampa uma nota mediana de 6,5, que atribuo ao fato de o longa-metragem ter apenas 6 mil avaliações de usuários comuns. No Rotten Tomatoes, na sessão de críticos especialistas, a aprovação é de 92%, provando que ele merece, sim, mais atenção do público.
O enredo, coescrito por Leon e Jamund Washington, com quem tem longa parceria, que inclui “Gimme the Loot”, “Queen of Glory” e “Italian Studies”, narra a saga de Danny (Turner) e Ellie (Van Patten) para entregar uma mala misteriosa até seu destino. Danny é filho de imigrantes poloneses em Nova York, e vive em um cubículo precário com sua humilde família. Ele é uma espécie de assistente no escritório de apostas de sua mãe. Amante de culinária, seu sonho é se tornar chef.
Até que um dia, recebe uma ligação de seu irmão, Darren (Michael Vondel), da cadeia, pedindo que ele lhe faça um favor. Darren passa as orientações para que Danny vá até determinado local para encontrar “um cara”, com quem deve encontrar e depois entregar uma mala até um destino estipulado. Ao chegar no lugar descrito, ele conhece Ellie, que não é um cara, mas uma garota, com quem embarca na aventura potencialmente perigosa e ilegal.
Ele entra no carro da garota para encontrar uma pessoa que nenhum dos dois conhece o rosto e que vai lhes entregar a maleta. Depois, eles precisam ir até uma estação de trem para trocar de bagagem com uma mulher que eles também não fazem ideia de quem seja. Inexperientes e atrapalhados, Danny e Ellie acabam entregando a mala para a pessoa errada, prolongando o tempo e complicando a missão que era supostamente simples.
Danny está tão perdido quanto nós, espectadores. Ele não sabe o que tem na bagagem, que está trancada por um código, não sabe seu destino e não sabe para quem está trabalhando. Ele apenas segue as instruções que foram passadas pelo irmão, que pretende receber uma recompensa financeira pela missão.
Ellie também é uma figura misteriosa para ele. Mas, aos poucos, eles compartilham algumas informações pessoais e formam uma conexão inesperada. Essa relação tão pura e singela entre eles, misturada à missão secreta que dá um ar de perigo e suspense, transforma o filme em uma experiência divertida e agradável. Há uma simplicidade e uma sinceridade na entrega da mensagem de Leon, que é totalmente despretensiosa, busca apenas satisfazer-se a si própria, sem querer ser nada grandioso ou complexo.
As câmeras de Ashley Connor acompanham os protagonistas como um outro personagem, observando e participando de tudo, se movimentando de maneira tão natural e orgânica quanto um par de olhos e nos mostrando pontos sujos, descascados e nada glamourizados de Nova York, nos dando uma visão da cidade contraditória daquela exibida por Hollywood. Nada poderia ser mais revigorante do que ver o lado desleixado dos Estados Unidos, sempre tão romantizado nos filmes.
“A Mala e os Errantes” é uma surpresa adorável e vale cada minuto do seu tempo.
Filme: A Mala e os Errantes
Direção: Adam Leon
Ano: 2016
Gênero: Aventura/Romance
Nota: 9/10