Último dia para assistir na Netflix ao filme que vai fazer você acreditar em milagres, acalmar seu espírito e elevar sua alma Divulgação / Boyut Film

Último dia para assistir na Netflix ao filme que vai fazer você acreditar em milagres, acalmar seu espírito e elevar sua alma

Há pessoas tão raras que passam despercebidas, como se o mundo fosse composto apenas de gente pura, sem segundas intenções. Acreditam que a vida só faz sentido em uma vasta comunidade, sem limites ou fronteiras, onde todos não só entendem as necessidades alheias, mas são sensíveis a elas. Não hesitam em se desassossegar até encontrar uma solução inclusiva, reconhecendo que cada pessoa e seus problemas são únicos e apenas quem os vive pode entender sua magnitude.

Ainda assim, aqueles que enfrentaram diversos sofrimentos reconhecem que a vida é boa. Por outro lado, mesmo os mais afortunados, que lembram mais momentos prazerosos do que desagradáveis, sabem que ninguém é feliz o tempo todo. Assim, uma maneira de buscar a felicidade é nos desligarmos de nossas próprias questões quando sabemos que não alcançaremos uma solução imediata. Ao invés disso, devemos olhar ao redor e perceber que, para nós, o obstáculo no caminho do outro pode parecer uma flor. Mas é preciso lembrar que, além de beleza, as flores também têm espinhos.

Mahsun Kirmizigül, em “Mucize” (2015), eleva dois personagens à categoria de heróis, cada um à sua maneira. O filme, modesto em suas ambições, supera muitas expectativas por ser algo fechado em si mesmo, mas indubitavelmente rico em qualidades. Kirmizigül retrata uma Turquia ainda mais atrasada do que a atual, parte por desinteresse das autoridades, parte pela aderência cega a dogmas religiosos. A narrativa se intensifica com a resistência ao golpe de Estado perpetrado por um grupo de oficiais do Exército turco contra o presidente Celal Bayar, em 27 de maio de 1960.

Mahir Ögretmen, interpretado pelo próprio Kirmizigül, é um professor que recebe a ordem de se mudar para uma aldeia remota nas montanhas do país. A discussão com sua esposa, Cemile, interpretada por Şenay Gürler, deixa claro que, se ele aceitar, terá de ir sozinho. Ögretmen parte em um ônibus deteriorado, compartilhando o espaço apertado com peregrinos que desembarcam ao longo do trajeto. O roteiro sugere que a viagem é longa, mas para o protagonista, é o caminho que chega ao fim, pois o governo não completou as obras até a vila.

“Mucize” faz uma crítica aberta à política do país, ainda hoje dividido entre o anseio por uma governança verdadeiramente livre e a realidade autoritária de Recep Tayyip Erdogan. A situação se agrava quando Ögretmen descobre, após uma jornada árdua, que não há escola na aldeia. Enquanto aguarda para começar seu trabalho, ele se familiariza com a realidade local, uma comunidade primitiva, mas não distante da civilização. Sob a orientação de Davut, o líder tribal interpretado por Erol Demiröz (1940-2021), Ögretmen relutantemente aceita a ajuda de bandidos para construir a escola, duvidando de suas verdadeiras intenções. Contra todas as expectativas, a escola é construída e começa a receber crianças de ambos os sexos, marcando um progresso significativo para a época e o local.

No segundo ato do filme, Kirmizigül apresenta Aziz, filho de um eremita, com uma deficiência intelectual não diagnosticada, apesar de consultas médicas anteriores. Interpretado magistralmente por Mert Turak, Aziz inicialmente provoca reações mistas em Ögretmen, mas logo uma conexão profunda se forma entre eles, possibilitando a transformação de Aziz. A reviravolta final, inspirada na vida de Mehmet Nusret Nesin (1915-1995), reforça a crença em milagres, sempre esperando na próxima curva do caminho.


Filme: Mucize
Direção: Mahsun Kirmizigül
Ano: 2015
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.