Avaliado como o 8º melhor filme da história do cinema no IMDb, ganhador do Oscar está na Netflix Divulgação / Miramax Films

Avaliado como o 8º melhor filme da história do cinema no IMDb, ganhador do Oscar está na Netflix

Na efervescente década de 1920, revistas feitas com papel de celulose se popularizaram ao redor do mundo, alimentando o público com histórias que misturavam o noir, o fantástico e a ficção científica, temperadas com cenas de ação frenéticas, tão intensas quanto a qualidade do papel barato permitia. Esse gênero, conhecido como “pulp fiction”, tornou-se uma referência cultural, uma espécie de catecismo distorcido que inspirou Quentin Tarantino a utilizá-lo como título para seu primeiro grande filme.

O longa, um desfile de personagens grotescos e diabólicos, refletia a peculiaridade que o cineasta já havia demonstrado em “My Best Friend’s Birthday” (1987), um curta-metragem escrito, dirigido e estrelado por ele. Essa obra inicial, embora menos conhecida, já indicava o rumo ousado de sua carreira, marcada por um desejo incontrolável de explorar dilemas morais e provocar desconforto genuíno — sensações que duram, pelo menos, até o último grão de pipoca ser devorado e as luzes da sala de cinema acenderem.

Quando lançou “Pulp Fiction”, Tarantino acrescentou o subtítulo “tempo de violência”, embora isso fosse quase redundante. O filme, carregado de diálogos impactantes e situações inesperadas, rompeu paradigmas ao questionar o que estava sendo produzido nos grandes estúdios da época. Limitando a análise ao século 20, não há dúvidas de que “Pulp Fiction” se destaca como uma obra influente, uma fonte inesgotável de lições para as gerações que se seguiram, especialmente para aqueles que desejam reinventar o cinema sem conseguir, muitas vezes, arrumar o próprio quarto.

A estrutura narrativa cíclica de “Pulp Fiction”, oscilando entre o centrípeto e o centrífugo, poderia facilmente se perder nas mãos de um diretor menos hábil. Mas Tarantino domina a arte de inserir, em cada cena, um detalhe capaz de captar a atenção do público instantaneamente. Desde o começo, ele subverte expectativas: o casal Pumpkin e Honey Bunny, vividos por Tim Roth e Amanda Plummer, inicia o filme com uma conversa aparentemente trivial sobre roubar um restaurante, mas que evolui para uma discussão quase filosófica sobre a viabilidade de seus planos. Esse diálogo inicial é um prenúncio das surpresas que o filme trará em suas mais de duas horas e meia de duração. A originalidade da narrativa é visível até mesmo na forma como Tarantino organiza os eventos, desconstruindo a linearidade convencional.

À medida que a trama avança, outros personagens surgem a partir desse embate moral entre os pequenos criminosos. Cada linha de diálogo tem um propósito claro, e é justamente nesse filme que Tarantino mais se apropria das falas de seus personagens para expressar suas próprias ideias. Além de ser esteticamente fascinante, com uma estética kitsch repleta de referências culturais, “Pulp Fiction” é, acima de tudo, uma celebração do diálogo. Esse elemento é o verdadeiro fio condutor da história, como fica evidente nas cenas em que Jules Winnfield e Vincent Vega, interpretados por Samuel L. Jackson e John Travolta, discutem trivialidades enquanto buscam uma misteriosa maleta, cuja natureza ainda gera especulações três décadas após o lançamento do filme.

A conversa aparentemente inconsequente entre Jules e Vincent, especulando sobre a suposta infidelidade de Mia Wallace, é outro exemplo da habilidade de Tarantino em utilizar diálogos para construir tensão e preparar o público para reviravoltas. Uma Thurman, no papel de Mia, domina o segundo e o terceiro atos do filme, especialmente na icônica cena da overdose, em que sua personagem é ressuscitada com uma injeção de adrenalina aplicada por Lance, o traficante vivido por Eric Stoltz. A química entre Mia e Vincent é um dos pontos altos do filme, funcionando como uma bomba-relógio prestes a explodir.

Embora alguns personagens, como o de Ving Rhames, apareçam de forma mais esporádica, servindo como elementos narrativos para conectar diferentes segmentos da história, Tarantino consegue amarrar todas as pontas soltas com maestria. A conclusão do filme, que retorna aos personagens do prólogo, é um toque genial que sublinha o caráter farsesco da trama e demonstra a habilidade do diretor em criar uma obra aberta a múltiplas interpretações. “Pulp Fiction” é um exemplo clássico de um filme que oferece inúmeras possibilidades de desfecho, cada um deles revelando algo novo a cada revisão. É, sem dúvida, um marco inquestionável na história do cinema.


Filme: Pulp Fiction — Tempo de Violência 
Direção: Quentin Tarantino
Ano: 1994
Gêneros: Drama/Thriller/Noir
Nota: 9/10