Filme polêmico e aplaudido de pé que gerou ameaças de morte ao diretor está na Netflix Divulgação / Alamode Film

Filme polêmico e aplaudido de pé que gerou ameaças de morte ao diretor está na Netflix

Sob o regime teocrático que há 45 anos governa o Irã, desde a queda de Reza Pahlavi em fevereiro de 1979, as mulheres são submetidas a uma realidade opressiva, marcada por constantes fiscalizações e punições morais. Um exemplo trágico desse cenário foi a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que perdeu a vida cinco dias antes de completar 23, após ser detida pela polícia moral por usar o hijab de maneira considerada inadequada, expondo parte de sua franja. Sua morte, além de brutal, simboliza o controle rigoroso e desumano a que as mulheres iranianas são submetidas diariamente.

O assassinato de Amini gerou repercussão, mesmo em um país governado por líderes que personificam a intolerância, como o aiatolá Ali Khamenei e o presidente Ebrahim Raisi. Porém, isso não alterou a brutal realidade para as mulheres que, como no caso retratado no filme “Holy Spider”, continuam a enfrentar o desprezo pelos direitos individuais e a violência sancionada pelo fundamentalismo islâmico. Dirigido por Ali Abbasi, o filme expõe de forma crua e perturbadora os feminicídios cotidianos que são, em grande parte, ignorados ou justificados sob o véu da moral religiosa.

Em 2000, a cidade de Mashhad, no nordeste do Irã, foi palco de uma onda de assassinatos de prostitutas, cometidos por um homem que dividia a opinião pública. Próxima das fronteiras com Afeganistão e Turcomenistão, Mashhad torna-se o cenário de uma narrativa densa, onde Abbasi, juntamente com os roteiristas Afshin Kamran Bahrami e Jonas Wagner, exploram a complexidade dessa situação. No centro da trama está Arezoo Rahimi, uma repórter freelancer que luta para contar essa história enquanto enfrenta uma série de obstáculos burocráticos e culturais que dificultam sua permanência na cidade. O filme destaca o desprezo pelas mulheres, evidente desde a recepção no hotel até o seu tratamento pelas autoridades, que são retratadas como coniventes ou ineficazes diante da violência que permeia o país.

A atuação de Zar Amir Ebrahimi no papel de Rahimi é poderosa, capturando a indignação e o desespero da jornalista em sua jornada por justiça em um ambiente hostil. A perseguição incansável aos culpados contrasta com a constante desvalorização de sua vida e trabalho, num sistema que pouco ou nada faz para proteger as vítimas de violência de gênero. O diretor utiliza esses encontros para construir uma narrativa tensa, que gradualmente revela a podridão institucional do regime iraniano, em que a vida das mulheres é tratada com descaso.

O assassino, Saeed, interpretado por Mehdi Bajestani, é um homem aparentemente comum que se revela um serial killer, estrangulando suas vítimas com seus próprios hijabs. A ironia cruel dessa escolha simbólica reflete a crítica do diretor à maneira como o regime usa o controle sobre as mulheres como uma ferramenta de opressão. Abbasi desenha um retrato inquietante da sociedade iraniana, onde a violência se perpetua de geração em geração, como sugerido pela cena final do filme, em que a brutalidade parece ser uma herança familiar, transmitida de pai para filho.

A obra de Abbasi não é apenas um filme, mas uma denúncia contundente das realidades sombrias vividas por tantas mulheres no Irã. A partir de uma abordagem inovadora e perturbadora, ele nos força a confrontar a crueldade sistemática que permeia essa sociedade, deixando uma marca indelével na consciência do espectador.


Filme: Holy Spider
Direção: Ali Abbasi
Ano: 2022
Gêneros: Crime/Thriller
Nota: 9/10