Romance épico com Kate Winslet, indicado a 33 prêmios, na Netflix Divulgação / BBC Films

Romance épico com Kate Winslet, indicado a 33 prêmios, na Netflix

Escrever biografias pode ser uma tarefa árdua, especialmente quando os fatos se perdem nas brumas do tempo. Quanto mais antiga a vida retratada, mais difícil é revelar os detalhes que a constituem. Algumas personalidades históricas, por sorte, têm sua trajetória registrada em documentos, cartas ou diários que sobrevivem ao tempo. Entretanto, esse não é o caso de Mary Anning, uma paleontóloga inglesa do período vitoriano. No filme “Ammonite”, o diretor Francis Lee faz uso de licenças poéticas para imaginar aspectos de sua vida e oferecer sua própria interpretação da história.

Kate Winslet assume o papel de Mary Anning, uma mulher cujas descobertas no campo da paleontologia foram fundamentais para o desenvolvimento do pensamento científico da época, influenciando até mesmo Charles Darwin. Apesar de sua importância, Anning foi ignorada pela comunidade científica por ser mulher. O filme a retrata como alguém que, mesmo sendo uma inspiração para muitos, viveu na pobreza e foi excluída dos círculos acadêmicos. A Sociedade Geológica de Londres, por exemplo, nunca aceitou sua associação, e muitos de seus achados não receberam o devido reconhecimento.

Francis Lee, ao adaptar a história de Mary Anning, decidiu incorporar um romance fictício em sua narrativa. Embora a protagonista nunca tenha se casado, Lee imaginou um relacionamento entre Anning e Charlotte Murchison, vivida por Saoirse Ronan. A amizade entre as duas é um fato histórico. Charlotte era esposa de Roderick Murchison, um geólogo, e acompanhava-o em diversas expedições científicas, tornando-se amiga próxima de Anning. No entanto, o filme vai além da amizade documentada, transformando o vínculo entre as personagens em uma relação amorosa.

Na trama, Roderick, representado como um homem egoísta, decide deixar Charlotte aos cuidados de Anning enquanto viaja a trabalho, alegando que sua esposa precisava se recuperar de um esgotamento físico. A proximidade entre as duas cresce e, de uma simples amizade, nasce um romance intenso, uma fuga emocional das barreiras sociais que ambas enfrentavam.

Mary, que vive com sua mãe, sustenta a casa com a venda de fósseis. A solidão que permeia a vida de ambas, Mary e Charlotte, está diretamente relacionada à exclusão imposta por uma sociedade que não via lugar para mulheres em papéis científicos. O amor que surge entre elas não é apenas uma questão de desejo, mas de encontrar, uma na outra, o conforto e a empatia que lhes era negado pelo mundo exterior. Porém, é importante lembrar que esse relacionamento é uma criação do diretor, que preferiu não inserir uma figura masculina em meio às agruras que Anning viveu.

Apesar da solidão retratada no filme e da escassez de diálogos — “Ammonite” é um filme de poucas palavras, marcado por longas cenas contemplativas —, a verdadeira Mary Anning era, na realidade, uma figura socialmente respeitada. Ela mantinha diversas amizades e, ao ser diagnosticada com câncer aos 47 anos, recebeu ajuda financeira de seus amigos e da comunidade científica para custear seu tratamento.

O filme, disponível na Netflix, se destaca pela fotografia excepcional de Stéphane Fontaine. Com um estilo naturalista, Fontaine utiliza uma paleta de cores frias que capturam a beleza crua das paisagens costeiras, ao mesmo tempo em que intensifica a sensação de isolamento das protagonistas. Esse afastamento geográfico reflete o distanciamento emocional que as personagens vivenciam, mas também cria um espaço íntimo onde o relacionamento entre elas pode florescer.


Filme: Ammonite
Direção: Francis Lee
Ano: 2020
Gênero: Biografia/Drama/Romance
Nota: 8/10